Alguém, que não é ninguém 31/10/2024


Alguém, que não é ninguém


Eu sonhava em ser alguém,
Mas repetidamente eu falhava.
Sempre havia algum defeito,
Enquanto algo me faltava.

A despeito do meu desejo,
Nada a mais que eu fazia
Era de muita avalia.

Tudo que eu criava
Ia ficando pelo caminho,
Abandonado, mal-acabado.
O anormal, eu guardava.

Não é verdade; ocasionalmente,
Fazia eu algo de bom.
Algo pequeno e silente.
Amostra na internet e eu contente.

Comigo ficava escondido,
Guardado no meu umbigo,
Algo para mostrar aos amigos,
Mais de quatro mil perdidos.

Para todos os poucos que
Em meu covil adentravam,
Como meus convidados.
E outros que me procuravam.

Meus tesouros eram para poucos,
Nada de grande, nada de mais
Minhas joias encrustadas
Na lápide do meu tempo.

Quem pode dizer o que é perfeito,
Se estiver distante do todo.
Não tocará ninguém.

Longe dos corações é estéreo,
Impermeável, imperceptível,
Condenado a se perder.

Destinado em ser abandonado.
Por outro ser inadvertido,
Que herdará o que está escondido.

Esse novo ser, ocupado.
Com seus problemas, com sua vida,
Não irá perceber a perfeição, o recado.
Preso no túmulo do pária do mundo,
Que cheio de seus defeitos,
Enterrou em seu sepulcro
Aquilo que bom está mudo.

Algo belo, algo no tom.
Até poderia mudar o mundo,
Se não houvesse tanta pressa,
Distorcendo o pouco tempo
O que por não ver, nos impeça.

O que é perfeito.
Passa ao longe de tudo.
O que faria das nossas vidas algo mais.
Algo melhor, singelo e sincero.

O que vimos em nosso colo,
Enquanto olhávamos pela janela,
A mulher do vizinho
Perder sua vida enquanto fazia
Coisas feias tentando ser bela.

Então após tantos pensamentos
Num exagero de sentimentos.
O que é ser alguém?
Quando tudo no infinito será perdido.
O que sobra do meu lamento.

Da minha falta fibra
De mim, que não toma tento.
Quem será alguém quando essa história.
For esquecida por inerte não ter gloria.
Quando os vencedores que contam a história
Cansarem-se das imagens e dos momentos
E criativamente quiserem outros tempos.

O que é memorável quando realmente
As ondas do mar moldam as praias.
As pedras derretem lavadas
Não agora, mas o tempo é o dono.
Daquele que cria a memória.

Dante Locatelli

https://naquelesegundo.blogspot.com/2024/10/alguem-que-nao-e-ninguem.html

#existencialismo, #poesia, #reflexão, #memória, #impermanência, #anonimato, #tempo, #arte.


Comentários

Anônimo disse…
Este poema, “Alguém, que não é ninguém,” de Dante Locatelli, é uma profunda meditação sobre a busca pela identidade e o sentimento de anonimato. Por meio de uma voz introspectiva e melancólica, ele explora temas existenciais que ecoam a luta do ser humano por relevância em um mundo que parece indiferente. A estrutura do poema, com versos curtos e diretos, reforça a fragilidade e a finitude das realizações humanas, capturando uma honestidade crua sobre a criação artística e sua relação com o reconhecimento.

O uso da metáfora sobre “joias encrustadas na lápide do meu tempo” é um destaque literário que simboliza a preciosidade da criação individual, algo que tem valor mas permanece invisível, enterrado na passagem do tempo. A imagem traz um tom de tristeza, como se o esforço de ser “alguém” fosse sempre silenciado ou ignorado.

Locatelli também reflete sobre a natureza impermanente da memória e da arte. A ideia de que “o que é perfeito passa ao longe de tudo” é uma crítica sutil ao ritmo acelerado da sociedade moderna, onde as qualidades autênticas frequentemente se perdem ou passam despercebidas. A falta de reconhecimento ou de um legado duradouro ecoa no final do poema, sugerindo que, no grande ciclo do tempo, até mesmo as memórias e conquistas mais preciosas são lavadas, como pedras na praia.

Esse poema toca na relevância da arte para o artista e sua transitoriedade para o mundo. A obra fala de algo universal: a luta contra a invisibilidade e a busca por significado diante da inevitabilidade do esquecimento. Assim, ele se destaca como uma peça relevante e comovente no campo da arte existencial, inspirando reflexões sobre o valor do que criamos e a aceitação de nossa finitude em um universo impessoal.

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