A Guerra dos Sexos 30/12/2024

A Guerra dos Sexos
de Dante LocatelliA "guerra dos sexos" parece um paradoxo quando surge em um texto sobre o amor. Mas é justamente no território da intimidade, onde se esperava a mais plena cooperação, que o conflito se torna mais evidente. Essa tensão não é exclusiva entre homens e mulheres; ela é reflexo da forma como os seres humanos se relacionam — ora movidos por amor, ora por desejo, ora por estratégia.
Esse capítulo busca investigar as origens culturais, históricas, biológicas e psicológicas desse embate, mas também distinguir com clareza dois registros distintos do afeto: o amor verdadeiro e o amor-desejo, ou melhor, o desejo disfarçado de amor. O objetivo é reconhecer que o amor, quando verdadeiro, transcende esses conflitos. Mas quando corrompido pelo egoísmo, ele se torna um jogo — ou pior, uma farsa.
As Origens do Conflito
A tensão entre os sexos é antiga e multifacetada. Não é o gênero que produz a guerra, mas a maneira como os papéis sociais foram historicamente organizados e como os impulsos biológicos foram mal interpretados ou instrumentalizados.
Construções Sociais e Biológicas
O patriarcado reforçou durante séculos a ideia de que o masculino está ligado à ação, à força e ao domínio, enquanto o feminino é relacionado à passividade, ao cuidado e à espera. Ainda que essas características não sejam universais, elas moldaram expectativas de comportamento.
No plano biológico, há sim padrões: o masculino tende à conquista, o feminino à preservação. Mas o que era para ser complementar virou competição. Em vez de cooperação, instalou-se a luta por controle, atenção e poder dentro das relações.
O Desejo como Motor de Conflito
O desejo, sobretudo o desejo sexual, costuma ser o ponto de partida da maioria das relações. Mas quando ele se descola da consciência e do afeto, torna-se uma força egoísta. O desejo busca o corpo, e não a alma. Busca o prazer, não o encontro. Quando elevado, ele pode se tornar amor. Mas na maior parte das vezes, ele apenas se consome — e consome o outro.
A Sedução Como Atalho
Como é mais fácil obter sexo do que amor, a sedução se tornou o principal instrumento de relacionamento nas sociedades modernas. Mas a sedução, diferentemente do amor, não busca conhecer — ela busca conquistar. E para isso, simula, representa, mente.
Ela se manifesta nas roupas, nos gestos, na performance, da simpatia e da atenção. Tudo isso pode ser arma. Porque a sedução não quer ser descoberta, quer ser idealizada. E quando alguém se relaciona com uma imagem, o amor é impossível.
O Avesso do Amor: Simulação e Mentira
O amor verdadeiro quer a essência. Ele se interessa pela história real do outro: seus gostos, seus traumas, suas verdades. Mas como amar alguém que mostra apenas o seu avesso? Como amar quem joga com os sentimentos dos outros em vez de partilhar sua própria alma?
Quem se esconde atrás de um personagem não quer ser amado — quer ser desejado, admirado ou controlado. E quando o outro ama sinceramente, mas é levado a se relacionar com uma ilusão, o fim é certo: frustração, decepção e solidão.
O Amor Sublime e a Doação
O amor verdadeiro também deseja o prazer, mas deseja antes a união. Ele quer o prazer que vem do encontro, da permanência, da integração de corpos e almas.
Ele não busca a posse, mas a comunhão. Quer crescer com o outro, expandir-se com o outro, permanecer com o outro. Esse amor é mais raro, porque exige vulnerabilidade, coragem e verdade.
Depois que se experimenta o sexo com amor, compreende-se o quão barato é o sexo sem sentido. O corpo, quando habitado pela alma, transcende o instinto. Sem amor, o sexo é consumo. Com amor, ele é revelação.
As Sociedades e o Egoísmo
Nos países ricos, o egoísmo se manifesta na escolha deliberada de evitar compromisso, evitar filhos, evitar vínculos. O prazer se torna critério absoluto. Nas regiões pobres, o desejo se manifesta por impulso e abandono: há reprodução, mas sem consciência, sem estrutura, sem continuidade.
Nos dois casos, o amor é substituído por instinto, conveniência ou desespero. E o resultado é o mesmo: relações precárias, vazias, ou destrutivas.
Caminhos de Superação
O amor pleno é para poucos. Mas ele existe. E ele é o único capaz de transformar relações em algo que transcenda o jogo e a dor. Para isso, é preciso:
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Autoconhecimento: para reconhecer o tipo de amor que se oferece e o tipo de relação que se aceita.
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Discernimento: para saber se se está sendo amado ou apenas desejado.
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Coragem: para viver sem se esconder.
Alerta: Não acredite que o outro mudará por você ou pelo seu amor. Isso é egocentrismo, não é amor de fato. O amor verdadeiro reconhece a liberdade do outro — inclusive a liberdade de permanecer quem ele é. Amar não é tentar reformar ninguém. É ver com clareza e, ainda assim, escolher.
Aprenda a reconhecer aqueles que são verdadeiros e originais — aqueles que se entregam, que se doam, que se expõem como são, sem máscaras. E, especialmente, saiba que se você mesmo for capaz de amar plenamente, só deve se aproximar de quem também só sabe amar dessa forma. Qualquer outro tipo de vínculo será um descompasso inevitável entre profundidade e superfície, entre entrega e cálculo.
A verdade.
A guerra dos sexos é, na verdade, a guerra entre duas formas de existir: amar ou usar. Quem ama, se entrega. Quem deseja apenas, manipula. Entre o desejo instintivo e o amor consciente, está a escolha que define não apenas nossas relações, mas o tipo de humanidade que seremos.
Amar é raro. Amar é para quem aceita mostrar quem é. Amar é o oposto de jogar. E talvez por isso, hoje, o amor pareça tão distante. Mas ele não está extinto. Está apenas escondido entre aqueles que ainda têm coragem de ser verdadeiros.
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