O Canário Alcoólatra
(Ensaio nº 5 do Zoológico Nacional)
Já fui famoso —
mas já fui esquecido.
Envelheceu o que eu dizia:
ficou antigo, velho, azedo,
E agora diante de tudo isso
Perdi osentido.
Hoje, canto por edital.
Meu refrão foi adaptado para caber na verba.
A poesia virou proposta cultural,
e meu cachê depende do clima eleitoral.
Bebia por dor,
agora bebo por obrigação —
conhaque na sacada
de um hotel pago pela fundação.
Uso broche de vereador no peito,
mas meu peito não sente nada.
Tenho cor, tenho ritmo,
mas já não tenho estrada.
Nasci para ser livre —
mas me venderam por emenda.
Pediram-me neutralidade
e posaram comigo: estou à venda.
E quem me vê no palco de São João,
com a voz rachada e o sorriso congelado,
não sabe que cada verso meu
foi aprovado por um deputado.
Já fui canário do reino;
hoje, sou passarinho de gaiola.
Canto hinos e me esqueço do destino —
e finjo esquecer a liberdade
que já não quero.
Aquele sonho de criança,
que um dia me chamava de poeta…
Hoje, a criança não me ouve.
Hoje, é o político quem me sustenta.
Dante Locatelli


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