Capitulo Final: O Amor Como A Estrutura Final Do Pensar
Capitulo Final
O Amor Como A Estrutura Final Do Pensar
O Pensamento Amoroso
A consciência humana se forma a partir de sensações, pensamentos e das interações com o meio externo. As sensações oferecem ao ser uma percepção direta do mundo, alimentando a consciência com dados sobre o ambiente. Os pensamentos organizam essas percepções internamente, permitindo reflexão, análise e criação. Já as interações com o meio são a via pela qual o indivíduo transforma o mundo — e é também transformado por ele. São os três fios com que se tecem o que somos. Essa divisão é didática, mas serve também para a análise funcional de distúrbios da formação da consciência e análise de vieses dentro dessa formação.
O pensamento é, basicamente, o nosso mundo interno — o centro organizador da consciência. Ele filtra, interpreta e dá sentido às sensações que recebemos e aos efeitos das nossas ações no mundo. Dessa forma, molda o "eu" que sentimos ser, constituindo a base da identidade pessoal. Ele se relaciona com o mundo de forma eferente e aferente. Aferente são as sensações: o que recebemos do mundo. Eferente é a nossa capacidade de interações com o meio — de transformá-lo, moldá-lo, buscar aquilo que desejamos sentir.
Pensar é experienciar por dentro. Desejo, prazer, lógica, sentimento e imaginação são variações desse fluxo. Esses pensamentos se organizam em dois modos principais: em malha — difuso, associativo, intuitivo — ou em linha — direto, sequencial, claro¹.
Aqui está o ponto-chave: os modos de organização do pensamento não são meramente operacionais — são estruturais e existenciais. O erro mais comum do pensamento não está na falta de lógica, mas na tentativa de forçar uma estrutura lógica onde o pensamento associativo (em malha) é mais eficaz. A mente rejeita verdades não por serem falsas, mas porque não se encaixam em padrões já cristalizados. Muitas ideias profundamente válidas são ignoradas não só porque emergem como imagens vagas, metáforas ou conexões não-lineares, mas por falha do eu pensante em criar uma função eferente efetiva (relação entre o eu e o meio), de maneira a possibilitar a concretização das ideias.
Essa distinção encontra respaldo na neurociência cognitiva e na fisiologia cerebral². A memória de trabalho gerencia informações de maneira sequencial e ordenada, permitindo a comparação entre novas informações e aquelas já armazenadas. Essa função reflete a organização do pensamento em modos distintos, como em malha (associativo) e em linha (sequencial).
Memórias registram esses pensamentos. São arquivos vivos, acionados por emoções e contextos atuais.
E os sentimentos? Eles não seguem uma lógica imediata. Nascem de experiências antigas cujas razões já não lembramos, mas cujos efeitos persistem, moldando nossa identidade.
A alma é a forma viva dessa organização interior — o modo como integramos tudo o que sentimos e pensamos. E o amor é a expressão mais refinada dessa alma estruturada.
O amor acontece quando pensamento, desejo, sentimento e memória convergem em direção ao outro, com intenção de permanência, cuidado e transcendência. É a identidade florescendo, transformando-se em algo além.
Este não é um fim, mas um início.
Que estas linhas inspirem um novo olhar sobre si, sobre o outro — e sobre o que chamamos de amor.
Toda sensação desperta uma rede em malha: imagens, memórias, impulsos. Com o tempo, essa rede se organiza em linha. Ganha nome, direção, forma — e, pela repetição, se cristaliza em "verdade". Mas toda verdade isolada se esgota.
É nesse ponto que emergem os sentimentos. Eles são estruturas profundas do ser, moldadas por memórias de longo prazo. É o tempo — ao digerir essas experiências, fixando os traços mais persistentes e apagando o grosso das lembranças que as provocaram — que transforma lembranças em sentimentos duradouros. Resistentes onde a lógica é incompleta, os sentimentos surgem porque não carregam, em si, a verdade integral de quem somos. Atalhos da memória afetiva, eles sustentam o conhecer-se verdadeiro — aquele que vem da digestão lenta de muitas experiências.
O sentimento gera padrões emocionais. Eles regem o corpo, os gestos, os vínculos.
Quando duas malhas afetivas coincidem, elas vibram no mesmo ritmo. Quando alguém ecoa no teu mar interno — não por lógica, mas por ressonância e consonância — como se os acordes da tua alma encontrassem, em outro ser, a mesma vibração antiga. Como uma melodia reconhecida que retorna inesperadamente e reencontra, no silêncio da emoção, seu acorde exato…
Chamamos isso de amor.
Não o amor ideal, mas o real: aquele que brota da profundidade e permanece, porque toca onde o pensamento não alcança.
Referências bibliográficas
¹ Jean Piaget – A Formação do Símbolo na Criança (1950), p. 137–155.
² Alan Baddeley – "The episodic buffer: a new component of working memory" (2000), p. 417–428.
³ Nelson Cowan – "What are the differences between long-term, short-term, and working memory?" (2008), p. 323–338.
⁴ Antonio Damasio – O Erro de Descartes (1994), p. 83–101.
⁵ Antonio Damasio – O Sentimento de Si (1999), p. 56–77.
⁶ Gerald Edelman – Bright Air, Brilliant Fire (1992), cap. 4.
⁷ Sigmund Freud – "O Processo Secundário e o Pensamento Ordenado" (1915), p. 190–201.
⁸ Carl Jung – Tipos Psicológicos (1921), cap. X.
⁹ Lev Vygotsky – Pensamento e Linguagem (1934), cap. VI.
¹⁰ Henri Bergson – Matéria e Memória (1907), p. 98–112.
¹¹ Joseph LeDoux – O Cérebro Emocional (1996), cap. 3.
¹² Donald Winnicott – O Brincar e a Realidade (1965), p. 45–60.
¹³ John Bowlby – Apego e Perda (1988), vol. 1, p. 215–234.
¹⁴ Stanislas Dehaene – How We Learn (2020), cap. 5.
¹⁵ Daniel Kahneman – Thinking, Fast and Slow (2011), p. 20–49.
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