Feliz Dia Do Médico


Feliz Dia Do Médico

Desafios Diários

"Ele está exausto. É difícil ler a prescrição do colega com os olhos ardendo, mas ele se esforça e depois observa atentamente os traçados das derivações no cardioscópio e os parâmetros dos sinais vitais. Ele intercalava o acompanhamento, com o atendimento dos pacientes que aguardavam no pronto-socorro.
Era uma luta de muitas frentes: cansaço, preocupação, responsabilidade, apreensão e o dilemas de decidir qual paciente receberá primeiro os recursos disponíveis. 
O final de seu turno está próximo, mas ele decide tentar uma última vez, buscar um lugar mais adequado para o paciente que está instável. Liga para o hospital de referência, mas é atendido com descaso pelo colega, que inicialmente questiona a real gravidade e necessidades da transferência para depois negar a vaga e sugeri se tentar novamente após a visita da manhã, quando poderá haver altas."
Esses são os momentos reais que definem a profissão. Ser médico nem sempre é ser feliz. Viver entre plantões, dificuldades no diagnóstico e tratamentos, longas e desgastantes jornadas de trabalho,  momentos de dúvida, dor e aceitação quando noticias boas e ruins devem ser compartilhadas com os pacientes e seus familiares. 
A vida pessoal dos médicos colide frequentemente com as exigências da profissão. Isso significa perder momentos importantes da vida para atender emergências e cumprir suas obrigações. Cuidar de outras pessoas enquanto tenta conciliar com sua vida pessoal, a responsabilidades com seus familiares, sendo médico, mas também pai, filho e marido. 
As críticas são inclementes, estão sempre presentes em todos os lugares, pessoas infelizes, aproveitadores e tantos outros. Há os que simplesmente não fazem nada e nada desejam fazer sem uma boa recompensa, e de-lá então nenhum ato de boa-fé terá perdão. 
É fácil imaginar que a tristeza e o cansaço são os companheiros mais frequentes dos médicos, mas isso é apenas parte da história.

Distante da Ficção

Diferente dos hospitais nos filmes e seriados na televisão, com suas belas fachadas modernas, organizadas, onde os pacientes estão confortáveis em bons locais. Todos lá trabalham impecavelmente uniformizados, em uma coreografia de deveres, obedecida como se ensaiada. Estruturas de alta tecnologia para o diagnóstico e tratamento estão sempre à disposição. Os profissionais necessários sempre presentes e prontos para ajudar para o bem dos pacientes.
Essa imagem está muito distante da realidade que enfrentamos. Existe uma complexa rede de interesses políticos, burocráticos e financeiros, além de arranjos pessoais e egos. Lutamos contra falhas que precisam ser corrigidos com boa vontade e responsabilidade. Qualquer um pode facilmente entender que essa estrutura está mais próxima do colapso que do sucesso.
Quando nossos sonhos colidem com a realidade. Trabalhamos em hospitais primitivos, mal cuidados e sucateados, atendendo pacientes carentes e com baixa instrução. Eles se enfileiram em macas nos corredores e no chão, como se estivéssemos em uma guerra interminável. Um mundo após apocalípticos e assim nossos sonhos em sermos atores de uma comédia romântica nos transporta para um filme de terror.
A falta de estrutura conflita com a população carente e dependente dos recursos que não suprem nem o básico, nem o necessário. Ser médico no Brasil é viver frente a esse real conflito. É ser um porto de esperança para pessoas que buscam por salvação, na realidade do sistema de saúde pública.
Os médicos enfrentam não apenas as doenças, mas também as consequências da corrupção. Nos hospitais, o desvio de verba cobra seu preço e assistimos crianças e idosos sofrerem pela falta dos recursos.

Os Pequenos Milagres

A verdadeira felicidade em ser médico é rara e difícil de compreender para quem busca só o material. Surge quando se faz a diferença na vida de alguém. No alívio ao se realizar um cuidado. Em devolver a paz e esperança onde havia medo e dor. Esse sentimento está em cada dia, em todo paciente, mas poucos se importam em percebê-lo e valorizá-lo. 
A felicidade se esconde nos pequenos milagres, nos momentos singelos de um olhar. Em palavras que tranquilizam, nos gestos discretos de apoio, as vidas que seguem melhor porque estivemos lá.
Ser médico é compreender que a cura nem sempre é possível, e mesmo que o mundo seja cruel, ainda se pode cuidar, é esse o maior ato de humanidade. A beleza se revela em alívio e se transmite para quem pode ver.
Ser médico é viver entre o peso das responsabilidades e a leveza dos pequenos gestos, como tranquilizar um paciente assustado, que atendido, encontra coragem para enfrentar mais um pouco a dor e seu tratamento.
A felicidade pode estar nas madrugadas silenciosas que, de repente, se enchem de luz em uma boa nova, trazendo esperança em meio ao desespero. Está na paz que se renova na melhora, no conforto que se oferece, mesmo quando as batalhas não podem ser vencidas.
Essa profissão convive com as incertezas, a dor, a insatisfação e o desrespeito, a ganância e os interesses de aproveitadores do medo, a pobreza, a incompreensão, a insegurança, e ainda assim o se escolhe cuidar. Ser médico é encontrar força na fragilidade humana e acima de tudo, perceber que a felicidade não é um destino, mas um caminho que só é significante e recompensador quando é compartilhado com a nossa melhor versão.

Dante Locatelli

https://naquelesegundo.blogspot.com/2024/10/feliz-dia-do-medico.html

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Comentários

Anônimo disse…
Crítica Literária do Texto "Feliz Dia do Médico"

Dante Locatelli, em sua nova publicação "Feliz Dia do Médico," oferece um retrato realista e emocionalmente carregado da vida na medicina, equilibrando magistralmente a linha tênue entre o idealismo e a crueza da realidade. O texto se destaca por sua capacidade de captar a profundidade dos desafios enfrentados diariamente pelos médicos, ao mesmo tempo que revela a beleza dos pequenos milagres que dão sentido à prática médica.

Temática e Relevância Social
O tema central do texto é o contraste entre o imaginário popular — muitas vezes moldado por filmes e séries de TV — e a dura realidade da profissão médica, especialmente no contexto do sistema de saúde pública brasileiro. Locatelli acerta em cheio ao destacar a exaustão, a frustração e as dificuldades estruturais, bem como os dilemas éticos e emocionais que permeiam o cotidiano dos médicos. Ao fazer isso, ele transcende a mera descrição e toca em questões de relevância social, como a corrupção, o desvio de verbas e o descaso nas instituições públicas de saúde, tornando o texto não apenas uma reflexão sobre a medicina, mas também uma crítica indireta à estrutura política e burocrática.

Estilo e Linguagem
A linguagem utilizada é clara e direta, refletindo o caráter prático e pragmático da profissão. No entanto, Locatelli consegue intercalar momentos de lirismo, especialmente ao falar sobre os "pequenos milagres" que transformam a prática médica em algo mais do que apenas uma profissão. As metáforas de guerra e apocalipse, ao descrever as condições dos hospitais, são poderosas e evocam a gravidade da situação enfrentada, enquanto a imagem dos "pequenos milagres" sugere esperança e humanidade em meio ao caos. A dualidade de cansaço e esperança é captada com maestria, criando um texto que equilibra bem o tom pessimista com a resiliência necessária para continuar na luta.

Estrutura e Coerência
O texto é bem estruturado, levando o leitor por uma jornada que começa com os desafios do dia a dia, passa pelas dificuldades sistêmicas e termina com a valorização dos pequenos gestos que trazem sentido à profissão. Essa organização permite que o leitor compreenda plenamente o impacto emocional e físico de ser médico, sem perder de vista o lado mais humano e gratificante da prática. A progressão temática, do desespero à esperança, cria uma sensação de arco narrativo, mesmo dentro de um texto não-ficcional.

Impacto e Reflexão
"Feliz Dia do Médico" provoca uma reflexão profunda não só sobre a profissão em si, mas sobre o papel dos médicos em um sistema de saúde deficiente. O texto lembra o leitor da importância de valorizar esses profissionais, não apenas nos momentos de crise, mas diariamente, reconhecendo que sua luta vai muito além dos muros dos hospitais. É uma chamada à empatia, tanto para com os médicos quanto para com os pacientes, ambos vítimas de um sistema falho.

Considerações Finais
Dante Locatelli consegue, com sensibilidade e precisão, capturar a essência do que significa ser médico no Brasil de hoje. A escolha de não glamourizar a profissão, mas ao mesmo tempo realçar seus aspectos gratificantes e humanos, faz com que o texto ressoe profundamente, especialmente entre aqueles que já experimentaram de perto as dificuldades do sistema de saúde. A crítica social subjacente também é louvável, pois dá voz aos que estão na linha de frente de uma batalha constante pela dignidade e pelo cuidado com o próximo.

Esse texto merece destaque pela sua honestidade e pela forma sensível com que trata de uma questão tão complexa e importante. Mais do que uma homenagem, "Feliz Dia do Médico" é um convite à reflexão sobre as reais condições de trabalho e o impacto emocional que a profissão exige.

Parabéns por mais uma publicação tocante e pertinente.

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